O efeito dissulfiram-like é também conhecido como efeito antabuse (ou antabus, como chamam alguns, popularmente). Trata-se de um efeito adverso – indesejável, que algumas pessoas preferem chamar de efeito colateral – resultante da interação de certos medicamentos com álcool.
Em outras palavras, esse tipo de efeito adverso se manifesta, por exemplo, quando a pessoa que está tomando certo tipo de medicamento ingere bebidas alcoólicas.
Então, todo efeito adverso advindo da interação entre medicamentos e álcool é chamado de efeito dissulfiram? Não, porque este efeito tem características próprias. Ele tem um modo de ação e um perfil de reação adversa – ou, mais propriamente evento adverso –, que é justamente o que lhe dá esse nome, “antabuse”. E neste artigo, você vai entender isso melhor.
O que é efeito dissulfiram?
O efeito dissulfiram-like (ou antabuse ou ainda antabus) é uma reação aversiva ao consumo de álcool. É, portanto, uma reação de aversão (intolerância) ao álcool.
E certos medicamentos realmente conseguem fazer uma pessoa ter uma reação de aversão a bebidas alcoólicas. Entre os medicamentos capazes de causar essa reação, estão, por exemplo, o antidiabético clorpropramida e o antiparasitário secnidazol.
Todos os antidiabéticos e antibióticos podem causar efeito antabuse? Não. Somente alguns medicamentos específicos são considerados capazes de causar esse efeito. Não dá para generalizar. Neste artigo, você vai encontrar uma lista com nomes dos medicamentos que podem desencadear um esse efeito, ou seja, aversão ao álcool.
Como é esse efeito? Quais os sintomas?
Bom, agora que você já sabe que esse tal efeito antabuse nada mais é do que uma reação adversa ou evento adverso de aversão (intolerância) ao álcool, vamos ver como é essa reação.
Imagine a seguinte situação. A pessoa tomou o antiparasitário secnidazol para combater uma infecção. E aí, no mesmo dia, ela ingere uma bebida alcoólica qualquer.
De repente, ela começa a se sentir estranha. Um certo calor, o rosto fica vermelho (rubor), o coração começa a bater mais rápido (taquicardia). E não é porque ela viu alguém interessante.
Pois, na verdade, essa sensação não é agradável. Afinal, a pessoa também sente náusea e pode até vomitar.
Esses sintomas lembram alguma coisa? Calor, rosto avermelhado (rubor facial), taquicardia, náusea, vômitos… Lembram os efeitos da ingestão excessiva do próprio álcool, correto?
Sim, porque são efeitos que resultam da própria toxicidade do álcool. Isso porque o metronidazol potencializa (aumenta) os efeitos do álcool.
De fato, certos medicamentos incrementam os efeitos tóxicos do álcool. E quando um certo medicamento é capaz de produzir esse tipo específico de efeito – de aversão ao álcool –, que promove esse quadro de rubor facial, náusea, taquicardia, dizemos que ele tem efeito dissulfiram-like.
Além desses sinais, o efeito pode incluir ainda cefaleia (dor de cabeça), hipotensão (pressão baixa), sudorese (suor excessivo), fraqueza e vertigem1. Repare, então, que esta é uma situação que pode causar muito desconforto e mal-estar. Entretanto, como veremos adiante, ela também pode colocar a vida em risco.
Como ocorre esse efeito?
Primeiro, é preciso entender o papel de uma certa enzima na eliminação do álcool do corpo
Em condições normais, quando um indivíduo ingere alguma bebida alcoólica, uma certa enzima (proteína) do nosso corpo vai quebrando (hidrolisando) o álcool para eliminá-lo o quanto antes do organismo. Isso ocorre porque o nosso corpo entende o álcool como um tipo de veneno, como uma substância tóxica.
Aliás, o nome dessa enzima que tem a função de ajudar nosso corpo a eliminar o álcool é aldeído desidrogenase.
Se o indivíduo ingere doses baixas ou moderadas de álcool, a tal enzima consegue cuidar da eliminação desse álcool ingerido. Assim, consegue evitar que ele (o indivíduo) venha a passar mal.
É evidente que isso depende da resistência de cada pessoa ao álcool. Essa resistência varia de indivíduo para indivíduo e depende também do quanto ele está habituado ou não à ingestão de bebidas alcoólicas.
Os medicamentos que causam efeito dissulfiram-like são, em geral, os que inibem a tal enzima
A maior parte do grupo de medicamentos que causa aversão ao álcool interfere na ação dessa enzima chamada aldeído desidronegase. É assim que esses medicamentos, em geral, atuam. Eles inibem essa enzima, impedindo, dessa forma, que ela consiga eliminar devidamente o álcool do corpo.
E, assim, o álcool se acumula e atinge concentrações (quantidades) tóxicas (Figura 1). É por isso que o efeito antabuse é muito semelhante ao da ingestão excessiva de álcool.
Isso quer dizer que mesmo que a pessoa tome doses pequenas ou moderadas de álcool, ela pode ter o efeito antabuse. Isso, desde que, é claro, ela tenha tomado um desses medicamentos que causam o tal efeito aversivo.
Sendo assim, quando uma pessoa toma um desses medicamentos, o certo é o prescritor alertá-la a não consumir álcool enquanto estiver fazendo o tratamento com aquele medicamento. Todavia, quando o medicamento é capaz de produzir esse efeito, a bula vem com essa informação. Daí a necessidade de consultar a bula sobre possíveis efeitos adversos – que costumam ser ali referidos meramente como reações adversas.
Medicamentos capazes de causar efeito dissulfiram-like
A lista de medicamentos que podem produzir esse tipo de reação quando ocorre ingestão de bebidas alcoólicas é pequena. De fato, poucos medicamentos, entre os comercializados no Brasil, causam efeito antabuse.
Entretanto, a melhor forma de identificá-los é consultando a bula. Quando, por alguma razão, você não tem a bula em mãos, pode consultá-la na internet. As bulas de todos os medicamentos costumam estar disponíveis online e na íntegra.
De qualquer maneira, segue abaixo uma lista de medicamentos que podem causar reação dissulfiram quando associados com álcool. Esta lista inclui certos antimicrobianos e antiparasitários, como cetoconazol, levamisol, tinidazol, secnidazol, furazolidona, metronidazol, e o antidiabético clorpropramida.
Medicamentos que causam efeito antabuse
Medicamento | Período em que o consumo de álcool deve ser evitado |
Cetoconazol | Durante o tratamento. |
Levamisol | Durante o tratamento. |
Tinidazol | Durante o tratamento e até 3 dias após o término. |
Secnidazol | Durante o tratamento e até 4 dias após o término. |
Furazolidona | Durante o tratamento e até 4 dias após o término. |
Metronidazol | Durante o tratamento e até 1 dia* após o término. |
Clorpropamida | Durante o tratamento. |
Dissulfiram | Até duas semanas após o término. |
Repare que, para cada medicamento, o período durante o qual o consumo de álcool tem que ser evitado é diferente.
Por exemplo, se uma pessoa está tomando cetoconazol, precisa evitar a ingestão de álcool durante o tratamento. Agora, se ela está utilizando secnidazol, precisa evitar o consumo de álcool durante o tratamento e até quatro dias após o término.
Isso ocorre porque alguns medicamentos inibem a enzima desidrogenase de forma irreversível. Com isso, o corpo precisa de um tempo para sintetizar (fabricar) novas enzimas1.
Essas informações, sobre o período em que o álcool deve ser evitado, estão disponíveis na bula.
De onde vem o nome dissulfiram?
O dissulfiram também é um medicamento. E o efeito dissulfiram-like é aquele semelhante ao do próprio medicamento. É daí, portanto, que vem esse nome.
E o dissulfiram, o original, digamos assim, é usado justamente para causar aversão ao álcool. Isso para auxiliar no abandono do vício.
E você já sabe como ele atua. Ele é um medicamento aversivo. Inibe aquela enzima (aldeído desidronegase) responsável por “neutralizar” os efeitos do álcool. Dessa maneira, o dissulfiram aumenta a quantidade de aldeído no corpo. Como já expliquei, o aldeído é a substância tóxica que causa os efeitos desagradáveis das bebidas alcoólicas e que, portanto, causa o efeito antabuse.
Ou seja, quando uma pessoa está tomando esse medicamento, ela fica intolerante ao álcool. Toda vez que beber, vai passar mal. Isso porque ele é capaz de aumentar em cinco a dez vezes a quantidade de aldeído no corpo3.
Literalmente, se a pessoa beber, o medicamento causará uma intoxicação por acetadeído e, assim, todas aquelas reações indesejáveis. E assim, a pessoa desenvolve aversão ao álcool.
Os nomes comerciais (nome fantasia ou de marca) comuns do dissulfiram são Antietanol e Sarcoton, assim como Antabuse – que também dá nome a esse tipo de reação. E assim como qualquer medicamento, ele não é inofensivo. Não deve ser utilizado sem indicação e supervisão médica.
Efeitos da interação entre dissulfiram e álcool
Como comentei, alguns indivíduos fazem tratamento com esse medicamento para se livrar do hábito de beber. Isso com a intenção de desenvolver aversão às bebidas alcoólicas.
Então, quando a pessoa está tomando o medicamento e ingere álcool, as reações se iniciam muito rapidamente. Em aproximadamente cinco a dez minutos, o rosto começa a ficar ruborizado (vermelho). Isso ocorre em função da vasodilatação (dilatação dos vasos sanguíneos) que o medicamento causa ao interagir com álcool3.
A seguir, essa vasodilatação se espalha e pode fazer com que o indivíduo desenvolva uma dor de cabeça pulsátil3.
Outros efeitos adversos observados3 como resultado dessa interação, a depender da quantidade de álcool ingerida, são os seguintes:
- náuseas,
- vômitos,
- hipotensão (queda de pressão),
- fraqueza,
- vertigem,
- sudorese,
- sede,
- dificuldade respiratória,
- incoordenação motora,
- dificuldade respiratória,
- dor torácica,
- visão turva
- confusão.
Por isso, insisto que, se o dissulfiram for usado, isto deve ser feito com indicação e supervisão médica. Afinal, é evidente que nem todos os indivíduos podem utilizá-lo e somente o médico pode avaliar se as condições clínicas do paciente permitem a utilização.
Além disso, o médico pode sugerir uma solução mais apropriada. Afinal, existem outros medicamentos e abordagens capazes de ajudar as pessoas que querem ou precisam parar de beber.
O artigo “Medicamentos para alcoolismo”, do Portal Drauzio Varella, trata dessa questão.
Além disso, considerando os efeitos adversos causados pela interação com álcool, medicamentos aversivos (que causam aversão ao álcool), como o dissulfiram, só podem ser usados por indivíduos realmente motivados e comprometidos com a necessidade de manter a abstinência. Ou seja, apenas por aqueles que conseguem evitar de verdade o consumo de bebidas alcoólicas3.
Os riscos do uso do dissulfiram e dos medicamentos com efeito antabuse
Geralmente, as reações advindas desse efeito são, em geral, leves ou moderadas. De fato, normalmente, não passam daquelas já elencadas aqui: rubor facial, fraqueza, cefaleia (dor de cabeça), taquicardia, náuseas, vômitos, sudorese, vertigem e hipotensão (pressão baixa)1.
Além disso, nem todas as pessoas apresentam aversão ao álcool com os medicamentos que usualmente as desencadeiam. Isso porque algumas pessoas são mais susceptíveis do que outras1.
No entanto, conforme mostra a literatura científica, esses efeitos podem desencadear eventos graves e até fatais. Isso ocorre, por exemplo, quando chegam a causar hipotensão acentuada, choque, infarto do miocárdio e ainda danos graves ao fígado1.
Infelizmente, há vários relatos de casos fatais, especialmente de pessoas que estavam tomando o próprio dissulfiram. Por isso, recomenda-se orientação e acompanhamento profissional durante o uso.
Os efeitos dissulfiram-like também podem ocorrer com medicamentos de uso tópico
Na literatura científica, existem também relatos de efeitos antabuse com o uso de medicamentos de uso tópico (ou seja, externo), como cremes e pomadas.
Há, por exemplo, relatos de casos sobre indivíduos que utilizavam cremes e pomadas contendo os medicamentos tacrolimus ou pimecrolimus. Nesses relatos, o consumo de pequenas quantidades de bebidas alcoólicas por pessoas que utilizavam esses cremes ou pomadas causou rubor e erupções na pele.
Casos assim afetaram pacientes com vitiligo, uma condição que causa alterações de coloração da pele. Pacientes com vitiligo da face, tratados com os medicamentos tacrolimus ou pimecrolimus, creme ou pomada, apresentaram coceira, ardor, rubor e erupções cutâneas, cinco a dez minutos após ingerirem bebidas alcoólicas. E as reações não ficaram limitadas às áreas em que o creme ou pomada foi aplicado. Espalharam-se inclusive para a pele saudável. Porém, após a término do tratamento, a ingestão de álcool não provocou esses sintomas.
Outro exemplo é o medicamento sulfiram (que é uma substância diferente do dissulfiram). O sulfiram é usado para tratar topicamente (na pele) a sarna, e também causa efeitos antabuse quando bebidas alcóolicas são ingeridas durante o tratamento.
Isso tudo mostra que quem utiliza dissulfiram ou outros medicamentos que produzem aversão ao álcool deve tomar cuidado, inclusive, com produtos de uso tópico ou outros que eventualmente contenham álcool na sua composição.
Em outras palavras, os pacientes que utilizam esses medicamentos precisam estar atentos para evitar o contato com formas ocultas de álcool3, pois elas podem desencadear efeito antabuse.
Se alguém apresentar efeito dissulfiram-like, o que fazer
Se uma pessoa estiver vivenciando esses efeitos, a melhor coisa a fazer é evidentemente evitar o consumo de produtos que contêm álcool, respeitando o período apresentado no quadro acima. Por exemplo, no caso de ingestão de dissulfiram, evitar a ingestão de álcool por até duas semanas.
Os efeitos passam, em geral, em até uma hora. Entretanto, em caso de efeitos graves, a pessoa deve ser conduzida ao hospital para receber tratamento adequado.
Infelizmente, não há antídoto específico para “cortar” o efeito. Porém, no hospital, o paciente poderá tratar os sintomas, recuperar-se e assim evitar complicações.
Todavia, um estudo4 publicado em 2020 mostrou que o fomepizol – um antídoto usado em intoxicações graves por alcoóis (metanol e etilenoglicol)5 – pode tratar as reações decorrentes da interação entre dissulfiram e álcool.
De fato, a pesquisa mostrou que a eficácia e a segurança do fomepizol em reverter rapidamente a vasodilatação (dilação dos vasos sanguíneos) e a toxicidade causada pela interação. A vasodilatação é a causa principal da intensa queda da pressão arterial observada nesses casos, que pode até levar a desmaios.
Esse estudo4 envolveu dez pacientes que tinham em torno de 40 anos de idade. Três desses pacientes receberam apenas noradrenalina para reverter a queda de pressão. Os outros sete receberam fomepizol. Estes sete melhoraram imediatamente após a infusão (injeção) de fomepizol e não necessitaram de noradrenalina. Já os três pacientes que receberam norepinefrina não melhoraram até que fomepizol fosse injetado.
Referências bibliográficas:
- Borja-Oliveira CR. Alcohol-Medication Interactions: The Acetaldehyde Syndrome. J Pharmacovigilance 2014;2:145.
- Jang GR, Harris RZ. Drug interactions involving ethanol and alcoholic beverages. Expert Opin Drug Metab Toxicol. 2007 Oct;3(5):719-31.
- Brunton LL et al. As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2019.
- Schicchi A et al. Fomepizole to treat disulfiram-ethanol reaction: a case series. Clin Toxicol (Phila). 2020 Sep;58(9):922-925.
- Bucaretchi F., Baracat FCE. Exposições tóxicas agudas em crianças: um panorama. J Pediatr 2005;81(5):S212-S222.
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