Efeito colateral é aquele efeito esperado, porém – na maior parte dos casos – indesejável do medicamento. Na maior parte dos casos? Sim, e você vai entender o porquê.
Os efeitos colaterais são, em geral, aqueles mais comuns, que o prescritor avisa que podem ocorrer durante o tratamento. Ele diz, “olha, quando você estiver tomando este medicamento, pode sentir ‘isso’ e ‘aquilo’, mas é normal”.
O “isso” e “aquilo” podem ser, por exemplo, náusea, dor de cabeça, diarreia, azia, sonolência, e outros efeitos em geral mais brandos que, com frequência, desaparecem com o tempo. Isso, é claro, quando o medicamento é de uso contínuo ou prolongado.
Além disso, o chamado efeito colateral nem sempre é algo prejudicial, como veremos adiante.
Efeito colateral é um termo popular e generalizado
Esse termo é muito popular e usado de maneira genérica para referir qualquer reação advinda do uso de medicamentos.
Esse aspecto, da generalização, gera muitas críticas, pois certos estudiosos da área defendem que esse termo tem um significado diferente de outros que são usados como sinônimos dele, tais como “efeito adverso” ou “reação adversa” ou até “evento adverso”.
Defende-se que efeitos colaterais nem sempre são prejudiciais, ao contrário do que ocorre com os chamados “efeitos adversos” ou “reações adversas” e “eventos adversos”, sobre os quais eu falo no outro artigo.
Exemplos ajudam a entender o que é efeito colateral
Porém, pode ser difícil compreender as diferenças entre esses termos sem citar exemplos. Vamos usar como exemplo o caso dos antialérgicos.
Você possivelmente já tomou algum medicamento antialérgico que dá sono. Nem todos, mas muitos antialérgicos disponíveis nas farmácias causam sono.
Então, imagine a seguinte situação. Uma pessoa está com sinais de alergia – com urticária, por exemplo, sentindo muita coceira – e toma um antialérgico. O antialérgico lhe dá sono e isso a ajuda a dormir. Pode-se dizer que, nesse caso, o sono é um efeito colateral do antialérgico.
Entretanto, repare que foi – para esta nossa pessoa imaginária afetada por uma incômoda urticária – um alívio. O efeito colateral foi, portanto, benéfico. Ela dormiu e possivelmente acordou sentindo-se melhor porque, enquanto estava apagada, o medicamento agiu.
Cada caso é um caso
Este exemplo serve para mostrar que nem sempre o efeito colateral é prejudicial. E isso depende do caso. Afinal, o efeito que pode beneficiar uma pessoa, pode prejudicar a outra. Quer ver?
Suponha que a pessoa que tomou o antialérgico tem um compromisso inadiável e que dormir não é uma opção. Nesse caso, o sono – a sonolência – poderia ser um problema.
Ainda bem que existem antialérgicos que não causam sono e que, portanto, podem salvar o dia da nossa personagem.
Mas, como nem tudo são flores, eu retomo esta historinha lá no artigo sobre reação adversa para acrescentar mais um possível desdobramento e assim tratar do lado mais sombrio dos efeitos colaterais. Por enquanto, vamos adiante nesta abordagem.
Mais um exemplo para deixar tudo mais claro. O medicamento antidiabético metformina, usado para tratar diabetes, costuma causar certos efeitos colaterais. Ele, com frequência, provoca problemas digestivos, como náusea, vômito, diarreia e dor abdominal.
Normalmente, esses efeitos ocorrem no início do tratamento e desaparecem com o tempo. A propósito, tomar esse medicamento na hora das refeições ajuda a reduzi-los.
Entretanto, a metformina pode produzir outros efeitos colaterais que, para alguns pacientes, são desejáveis: perda de apetite e de peso. Esses efeitos podem ser convenientes em casos de diabetes acompanhado de obesidade.
Agora, você já sabe por que razão os efeitos colaterais nem sempre são indesejáveis. Tudo depende da perspectiva.
Efeito colateral versus efeito terapêutico
Da mesma forma, neste caso, a interpretação depende da perspectiva. Sim, porque existe o efeito colateral e o terapêutico. Este último se refere ao efeito que de verdade se espera do medicamento.
Então, por exemplo, o medicamento propranolol serve para ansiedade. E aí uma pessoa toma esse medicamento para tratar seu medo de falar em público e, no entanto, fica com a pressão baixa e isso lhe faz passar mal. Nesse caso, posso dizer que o efeito terapêutico é o controle da ansiedade e que o efeito colateral – adverso – é a queda de pressão.
Porém, podemos inverter o papel da pressão baixa, dependendo da perspectiva. Isso porque, afinal, também se usa o propranolol no tratamento da pressão alta – aliás, muito mais do que para ansiedade. E, nesse outro caso, a queda da pressão passa o ser efeito terapêutico, isto é, o efeito que se espera para tratar o problema de saúde.
Isso mostra que realmente o que é efeito colateral e o que é efeito terapêutico, às vezes, depende da perspectiva.
A distinção entre conceitos como “efeito colateral” e “reação adversa” é um debate
Como já comentei, esse termo é muitas vezes usado como sinônimo de “efeito adverso” ou “reação adversa” e alguns autores insistem em apontar as diferenças entre eles.
No artigo sobre “reação adversa”, exploro um pouco mais essa distinção, mas sem o objetivo de defendê-la – nem mesmo as bulas distinguem um termo do outro. Meu propósito é apenas lhe deixar ciente de que existe esse debate. Caráter informativo.
Afinal, o que eu quero, acima de tudo, é deixar claro o que são “efeitos colaterais”, “efeitos adversos” ou “reações adversas” e “eventos adversos”, que serão conceitos muito discutidos aqui no site Remédios & Adversos.
Nota:
Em 1995, documento publicado pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA)1 já considerava “antigo” o termo “efeito colateral”. “Ele foi usado de várias maneiras no passado, geralmente para descrever efeitos negativos (desfavoráveis), mas também efeitos positivos (favoráveis)”, diz o documento. A Agência recomendou, inclusive, que o termo deixasse de ser usado. Mais ainda, recomendou que este termo não fosse utilizado como sinônimo de “evento adverso” ou “reação adversa”. Essa recomendação refletia o debate que existia há muito tempo sobre essa questão entre os especialistas da área. O fato é que, passadas quase três décadas desde a publicação do documento, esses termos continuam sendo utilizados como sinônimos, mesmo pelos órgãos nacionais e internacionais da área. Isso ocorre talvez porque as distinções entre estes conceitos não são claras o suficiente. Talvez os argumentos utilizados para os diferenciar não sejam convincentes a ponto de tornarem essa questão relevante.
Referências:
- European Medicines Agency (EMA). Clinical Safety Data Management: Definitions and Standards for Expedited Reporting. Disponível em https://www.ema.europa.eu/en/documents/scientific-guideline/international-conference-harmonisation-technical-requirements-registration-pharmaceuticals-human-use_en-15.pdf
Leia também:
Reação adversa e evento adverso
Livro “INIMIGA ETERNA”, nova obra de ficção de Caroline Borja, já disponível na Amazon em https://www.amazon.com.br/dp/B0CB6NKKQY
Livro “À SOMBRA DO MORTEIRO”, nova obra de ficção de Caroline Borja, já disponível na Amazon em https://www.amazon.com.br/dp/B0C7YLF5PV
